Poder da Tipografia no Luxo
No universo do branding, poucas ferramentas são tão subtis e, ao mesmo tempo, tão determinantes como a tipografia. As letras não são formas visuais carregadas de simbolismo, capazes de transmitir valores, definir posicionamentos e moldar perceções.
No setor do luxo, onde cada detalhe conta, a tipografia assume um papel ainda mais crucial. O rebranding da Burberry em 2018 é um dos casos mais paradigmáticos de como uma decisão tipográfica pode transformar não apenas a imagem de uma marca, mas também o rumo de toda uma indústria.
A Linguagem Tipográfica do Luxo Contemporâneo
Até 2018, a Burberry era reconhecida pelo seu logótipo clássico, composto pela tipografia clássica e pela icónica figura do cavaleiro equestre. Esse imaginário remetia para o legado aristocrático britânico, enraizado na tradição, na heráldica e no valor do tempo. Era um símbolo de história, mas também de peso e formalidade.
Quando Riccardo Tisci assumiu a direção criativa, a marca decidiu operar uma mudança radical: abandonou o cavaleiro, eliminou as serifas e apostou numa tipografia direta e absolutamente contemporânea. O resultado foi um logótipo de impacto visual imediato, limpo, funcional e adaptado às necessidades de um mundo digital e global.
Este gesto da Burberry não foi isolado, foi catalisador. A simplificação tipográfica tornou-se rapidamente uma tendência dominante nas casas de luxo. Marcas como Saint Laurent, Balenciaga, Balmain ou Berluti seguiram a mesma direção, abandonar as tipologias clássicas, que transmitiam tradição e elegância, para abraçar o minimalismo moderno e universal.
Porquê esta mudança? Porque o luxo contemporâneo já não se define apenas pela herança e pelo peso histórico, mas pela capacidade de ser relevante no presente. A tipografia geométrica, com linhas retas e sem ornamentos, comunica clareza, assertividade e adaptabilidade. Num mundo saturado de estímulos visuais, a tipografia minimalista torna-se uma espécie de “luxo silencioso”, onde o poder está na contenção.
Impacto Cultural e Estético
A decisão da Burberry gerou polémica e debate intenso entre profissionais de design e branding. Críticos acusaram a marca de “homogeneizar” o universo do luxo, apagando diferenças históricas em prol de uma estética uniforme. Outros celebraram a coragem de romper com o peso da tradição e de adaptar-se a uma nova era.
O mais interessante, contudo, é que a tipografia deixou de ser apenas um detalhe técnico e passou a estar no centro da conversa cultural. A Burberry mostrou que um logótipo pode ser mais do que uma assinatura visual, pode ser um manifesto sobre quem a marca é e quem ambiciona ser.
"O caso Burberry revela uma verdade incontornável do branding, a tipografia não é neutra"
Tipografia como Identidade Invisível
O caso Burberry revela também uma verdade incontornável do branding, a tipografia não é neutra. Cada curva, cada aresta, cada ausência de detalhe comunica algo. No caso do luxo contemporâneo, o abandono da tradição em favor de linhas retas e sólidas reflete uma identidade que privilegia a clareza, a universalidade e a intemporalidade.
É curioso notar como o poder da tipografia se manifesta quase de forma invisível. O consumidor comum pode não refletir conscientemente sobre a mudança, mas sente-a. O novo logótipo da Burberry experimenta-se como parte de um discurso de modernidade e autoridade cultural.
Reflexão
O rebranding da Burberry em 2018 ficará para a história como o ponto de viragem da linguagem visual no luxo. A decisão tipográfica da marca foi mais do que uma atualização estética, foi a afirmação de que o luxo já não se define apenas pelo passado, mas também pelo presente.
No fundo, o poder da tipografia reside precisamente na sua capacidade de condensar em linhas aparentemente simples toda uma narrativa de valores, ambições e posicionamento. A Burberry, não apenas redesenhou o seu nome, como redesenhou também o próprio discurso do luxo na sociedad contemporânea.
